Diavava Bernardo, o professor angolano que organizou um protesto para reivindicar mais carteiras numa escola de Luanda foi hoje recebido “euforicamente” pelos alunos, mas impedido de dar aulas pela direcção do estabelecimento escolar, certamente cumprindo ordens superiores de quem manda no reino, o MPLA.
Diavava Bernardo, que chegou a ser detido pela polícia na semana passada, na sequência da marcha em que participaram cerca de 300 alunos, contou que se dirigiu à escola, em que leccionava há menos de dez dias, para dar aulas, mas foi informado que antes deveria falar com o director-geral.
“Fui chamado pelo director pedagógico, para uma conversa rápida, onde ele orientou-me que eu não podia entrar na sala, sem que eu falasse com o director-geral. Depois apareceu o director-geral e disse-me que, para que eu entrasse na sala, era necessário que fosse antes para o gabinete de inspecção ter com os inspectores de Viana”, referiu.
O docente sublinhou que, na segunda-feira, tinha já sido contactado pelos inspectores para “um inquérito” sobre o incidente da passada quinta-feira com os alunos da escola 5008, do município de Viana, que protestavam contra a falta de um luxuoso bem, algo típico dos reinos nababos, ou seja… carteiras.
A Lusa esteve na segunda-feira na escola, mas foi apenas autorizada a recolher imagens e não foi possível obter declarações por parte da direcção.
No entanto, a ministra da Educação, Luísa Grilo, considerou que a iniciativa foi “precipitada” e que o professor foi “imprudente” expondo as crianças a riscos na via pública. O grupo de estudantes, com idades entre 8 e 15 anos, foi dispersado pela polícia, ouvindo-se disparos que geraram pânico entre os alunos em vídeos que circularam nas redes sociais. E, calcula-se, a polícia disparou tiros para evitar os tais riscos na via pública…
Diavava Bernardo, professor há dez anos, disse que foi recebido “euforicamente” pelos alunos que o saudaram, criando “quase um tumulto”, e obrigando à intervenção do director pedagógico para os colocar na sala de aulas.
Diavava Bernardo, que lecciona a disciplina de física, disse que já foi ouvido pelos inspectores e que o processo está em curso, manifestando inquietação pelo facto de existir já um processo disciplinar, sem que tenha sido ouvido antes. O professor deveria saber que, ao contrário dos Estados de Direito, no reino do MPLA até prova em contrário todos somos… culpados.
“O que me chama a atenção é encontrar já um processo disciplinar na mesa do director a meu respeito, eles não ouviram a minha parte e entraram já com o processo disciplinar, já estava na mesa do director”, observou.
Questionado sobre de que crime está a ser acusado, o professor preferiu não se pronunciar sobre o caso, por orientação do seu advogado, invocando o segredo de justiça, salientando apenas que está sob termo de identidade e residência.
O porta-voz da polícia de Luanda, Nestor Goubel, disse, a propósito do caso, que foi cometido um crime de danos materiais, com a alegada destruição de cerca de 50 carteiras, dano avaliado em 1,750 milhões de kwanzas (3.736 euros).
Relativamente a esta acusação, Diavava Bernardo considerou que “não faz sentido”. “Também ouvi que estou a ser acusado disso, não faz sentido, tanto é que lá na inspecção disseram-me que até têm vídeos”, referiu o professor, questionando: “Como é possível partirmos as carteiras, se carteiras eram o lema da nossa marcha? Como é que é possível?”.
“Eles disseram que foi depois de nós sairmos, então se é depois de nós sairmos não é o grupo que estava comigo”, acrescentou.
O professor é igualmente acusado de ter exposto ao perigo os alunos que participaram no protesto, argumentando que “há coisas que precisam ser mudadas de forma urgente”.
“Há situações que são de emergência e pontuais. Se eu olhasse para esse ângulo, eu acredito que nós não estaríamos perto de ter as carteiras”, afirmou.
As escolas do município de Luanda precisavam em 2017, ano em que o “querido líder” João Lourenço chegou ao Poder, de pelo menos 20.000 carteiras face às necessidades já identificadas, com as autoridades a lamentarem a situação de carência em que milhares de alunos estudam, mas que atribuem à crise económica.
Nessa altura, tal como nos últimos 47 anos, a crise económica serve para tudo. Não tenhamos medo da verdade. Nem no tempo colonial isto acontecia. Ao fim de quase 47 anos de independência, 20 de paz total, o regime do MPLA (que está no poder deste 1975) nem consegue resolver o problema deste tipo de… carteiras. Isto mesmo escreveu o Folha 8 no dia 13 de Abril de 2017.
A única coisa que o MPLA sabe fazer como ninguém é rechear as suas próprias… carteiras. É estar no top dos países mais corruptos do mundo, é não ter vergonha de ter, por exemplo, um ministro acusado na altura de ter sido comprado por 20 milhões de dólares pela construtora brasileira Odebrecht.
Na altura, a directora da Educação do município de Luanda, Joana Torres, teve a lata (sabemos que se limitou a divulgar as “ordens superiores”) de apontar a crise que afecta Angola desde finais de 2014 como o grande entrave na materialização das acções, num dos mais populosos municípios do país.
“Neste preciso momento, o município de Luanda precisa de 20.000 carteiras. E porque este ano, no nosso quadro resumo, não vem dinheiro para comprar carteiras, a situação estará condicionada. Não há liquidez financeira atendendo à situação que se vive agora no país, mas estamos a fazer tudo para que este quadro mude”, apontou, tentando passar-nos mais um atestado de matumbez.
Na altura foi noticiado que alunos da escola primária 1127, no distrito urbano do Sambizanga, no centro de Luanda, assistiam às aulas apoiando o caderno no joelho ou na parede, precisamente devido à falta de carteiras.
A escola leccionava em dois turnos, deste a iniciação ao sexto ano, e tinha oito salas de aulas com a maior parte das carteiras danificadas, cenário que se repetia por vários estabelecimentos escolares de Luanda, como relatavam os professores.
Joana Torres afirmou que estava a par da situação e admitiu tratar-se de um cenário que se regista em “grande parte das escolas de Luanda”.
Numa turma com mais de 45 alunos, na escola 1127, grande parte dos mesmos partilham as poucas cadeiras que ainda resistem ao tempo, mas o recurso ao joelho ou à parede para anotar os apontamentos dos professores é um exercício diário e sobretudo doloroso, conforme relatam os alunos.
“Escrevo apoiando no joelho porque não há carteiras e nem sequer consigo escrever em condições. Dói muito o joelho e as costas e é assim todos os dias. Os outros colegas quando estão cansados apoiam também na parede”, explicava Euclides Mateus da terceira classe.
Situação semelhante foi narrada por Larissa do Rosário, que confessou chegar a casa todos os dias “com dores nas costas e no joelho”.
De acordo com Joana Torres, a situação porque passavam os alunos da 1127 “é lamentável”, porém augura por dias melhores. Só lhe faltou dizer que esses dias melhores dependeria da vitória do MPLA nas eleições desse ano. O MPLA ganhou e em 2022 é o que vê.
“É normal que tenham essas dores em função das más posturas que eles vão tomando durante as aulas, mas temos contactado os pais e encarregados de educação, só que a situação não está fácil. Eles também nos têm ajudado muito nessa situação, mas melhores dias virão”, rematou.
Folha 8 com Lusa